Quando produzimos o Ciadade Fantasma no final dos anos 90, poucos se davam conta que a migração em direção ao litoral nos meses de verão era uma coisa tipicamente porto-alegrense, na época mostrar o ponto de vista de quem fica na cidade vazia contribuiu pro clima underground do filme, mas hoje em dia essa fuga em massa pra praia já foi assimilada como algo tão característico de Porto Alegre quanto a estátua do Laçador, tanto que é comum ver nos jornais fotos comparando avenidas normalmente engarrafadas durante o ano com as ruas desertas no feriado de carnaval. Não que essa percepção coletiva tenha acontecido por causa do curta, na verdade isso já vinha tomando forma no imaginário popular quando tive a idéia pro roteiro, assim como a “garota-anime” do filme que foi criada um pouco antes dos desenhos japoneses invadirem o Brasil, tudo faz parte de um processo intuitivo de criação que recebe influências de todos os lados, podendo vir tanto do exterior quanto de outras partes do país, já que cada região tem suas próprias características e dialetos, por isso acho importante entender o próprio contexto pra poder filtrar essas referências e não repetir estereótipos ou reforçar bairrismos, existe toda uma gama de elementos contemporâneos e urbanos que falam muito mais sobre a gente do que, por exemplo, a figura manjada do gaúcho com bombacha e chimarrão.
Muita gente fica surpresa quando descobre que o x-coração não existe em nenhum outro lugar do mundo. Assim como quem não é do Rio Grande do Sul custa a acreditar que um sanduíche feito com coração de galinha seja tão popular por aqui. A idéia do curta-metragem X-Coração surgiu justamente dessa estranha peculiaridade da gastronomia gaúcha, aproveitando o trocadilho do título pra contar uma história de amor. Depois que o curta foi ao ar pela RBS TV surgiram inúmeras matérias e textos por aí falando sobre esse lanche, dando a ele o status de ícone cultural. Mérito do curta? Talvez em parte, já que o alcance da televisão é enorme, mas o mais provável é que assim como aconteceu com o Cidade Fantasma eu só tenha prestado atenção em algo que até então não parecia ter relevância pra ganhar destaque, muito menos pra virar um filme. Ser universal falando do próprio quintal é o que tento fazer quando uso Porto Alegre como tema, tratando a cidade onde moro desde que nasci como se fosse um personagem e ao mesmo tempo levantando questões da natureza humana que qualquer um se identifica, independentemente da localização geográfica.
No mini-metragem Liguiças Arvoredo pegamos emprestada uma famosa lenda urbana de Porto Alegre pra fazer uma piada de humor negro, mas já falamos há pouco tempo sobre essa animação aqui no blog, então quem não viu ainda é só voltar alguns posts e conferir. Também vale a pena uma busca no Google pra saber mais sobre os crimes da Rua do Arvoredo ou ir atrás de livros e filmes sobre esse caso real e bizarro.
Entre esses curtas O Retorno de Saturno é o que tem menos relação com Porto Alegre, dá pra dizer até que a cidade faz só uma ponta no filme, se destacando na cena do acidente de carro que acontece durante uma perseguição, onde os personagens vão parar dentro do Arroio Dilúvio, que pra quem não sabe é um riacho poluído que corre ao longo da Av. Ipiranga e deságua no Lago Guaíba. E adivinhem?! De novo a vida imita a arte, ou o artista imita a vida que imita a arte, porque algum tempo depois da exibição do Retorno de Saturno na TV, o ator gaúcho Werner Schunemann, que ganhou fama nacional atuando nas novelas globais, virou febre na internet com o vídeo onde aparece dando uma entrevista depois de mergulhar no riacho com seu carro: http://www.youtube.com/watch?v=YIwDjgWbdGY&feature=related. Esse tipo de acidente acontece com muita frequência e eu sempre achei isso engraçado, já que na maioria das vezes a consequência mais grave é tomar um banho no esgoto, por isso quis usar essa situação tragicômica pra prestar uma homenagem ao renegado Arroio Dilúvio, que não aparece em nenhum cartão postal da cidade.
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